Mães de reféns e soldados acorrentam-se junto da casa de Netanyahu
- 18/09/2025
Vigiadas de perto pelas forças de segurança, seis mães juntaram-se à porta do n.º 35 da rua Azza, prenderam-se com correntes metálicas e perfilaram-se junto de três caixões vazios: um para o próximo refém assassinado pelo grupo islamita palestiniano devido à pressão militar de Israel, outro para um refém que desaparecerá num bombardeamento e outro ainda para o soldado seguinte que cairá "na guerra sem propósito" no enclave.
Em silêncio total, levaram então em ombros as urnas, envolvidas em bandeiras israelitas e laços amarelos que simbolizam o Fórum das Famílias dos Reféns e Desaparecidos, ao longo de cerca de cem metros entre o pequeno e discreto bloco de apartamentos de um chefe do Governo ausente, em direção a um acampamento montado de véspera no fundo da rua, onde a manifestação se tornou permanente.
"Por quanto tempo ficaremos sentados e a chorar? Por quanto tempo sacrificarão os nossos filhos no altar desta guerra eterna? A segurança de Israel significa ocupar Gaza? A segurança de Israel significa colocar soldados em risco de morte numa guerra desnecessária?", questionou, Einav, mãe de Matan Zangauker, raptado pelo Hamas nos ataques de 07 de outubro de 2023 no kibutz de Nir Oz, num grito replicado por um coro de dezenas de pessoas que se juntaram ao protesto das acorrentadas: "Basta!"
"Esta cena não é um filme de terror, esta é a minha vida", declarou Bar, filha de Manny Godard, um dos 251 reféns levados pelo grupo islamita há quase dois anos e que foi entretanto assassinada, pedindo a devolução do corpo do seu pai, ainda retido no enclave palestiniano, para que possa ser sepultado junto da mãe e também que "nenhuma outra família tenha de se juntar à fileira dos enlutados".
Em comum, os manifestantes trazem um autocolante na lapela com o número 713 que corresponde aos dias que os reféns acumulam em cativeiro, e uma história relacionada com alguém que desapareceu em parte incerta.
A de Shai remonta aos massacres do Hamas no kibutz de Be'eri, onde relata que as milícias palestinianas assassinaram a sua tia à porta de casa, queimaram os vizinhos e raptaram uma prima, Carmel Gat, de 30 anos, mantendo-a nos túneis do enclave durante 328 dias até ser executada a tiro.
Mas outros 48 reféns, dos quais se presume que 20 estejam vivos, continuam em poder do Hamas e é por eles que a estudante de Medicina também grita "basta!" à porta de Netanyahu.
"Estamos a lidar com uma organização terrorista que conheci na minha carne e no meu sangue", desaba à agência Lusa, rejeitando os planos do Governo israelita na ocupação em curso da Cidade de Gaza, que deve ter a alternativa de um acordo para trazer de volta todos os reféns", numa alusão ao lema "tragam-nos para casa" proclamado pelo fórum, que se tornou numa das principais forças de oposição aos planos militares do executivo.
Quando o último refém regressar a casa, Shai acredita que "esta guerra terminará" e, para isso, "é preciso que o mundo ajude" no reforço da pressão sobre as autoridades de Telavive, de modo a que, no dia seguinte, "esta organização terrorista não volte a raptar mais ninguém" e que "os vivos tenham o abraço que todos esperam e os mortos sejam devolvidos e as suas famílias sigam em frente".
Por cada cartaz empunhado no protesto, há um nome e uma idade de alguém aprisionado pelo Hamas: Inbar Hayman, (27), Dror Or (48), Amiran Cooper (85), Ziv Berman (27), Matan Angrest (22)... e vários já estão mortos.
Haggai Angrest é pai deste último e descreve que Matan foi raptado do seu tanque em chamas nos ataques de 07 de outubro na base militar de Nahal Oz, "após mais de duas horas de luta contra a brutalidade do Hamas" e de que ficou o único sobrevivente da tripulação do blindado.
"Sabemos que está vivo, mas em muito mau estado", lamenta o pai do militar, contando que Matan foi sujeito a "espancamentos brutais" de uma multidão em fúria no momento do rapto e depois sujeito a atos de tortura nos túneis do enclave.
Do mesmo modo, espelha a inquietação comum aos familiares dos reféns vivos de que a vasta operação terrestre na Cidade de Gaza, onde se presume que se encontrem várias das últimas pessoas detidas pelo Hamas, possa colocar o filho e todos os outros em perigo à aproximação dos soldados israelitas, como já aconteceu no passado.
"Hoje estou aqui para pedir ao primeiro-ministro para libertar todos os nossos 48 irmãos", apela Haggai Angrest, o que implicaria um acordo até ao momento por alcançar com o Hamas e que o próprio Netanyahu argumentou que o tempo da negociação com os islamitas palestinianos já expirou, apesar da pressão internacional e também dentro de Israel.
Michal Adiri Alouche faz parte do segundo grupo. A psicóloga não tem nenhum familiar nos túneis do Hamas, mas preserva a certeza de que nem todos os habitantes da Faixa de Gaza seguem o grupo radical palestiniano, tal como nem todos os israelitas apoiam "que se mate crianças" na ofensiva no território.
"Antes de mais, tenho vergonha do meu país e do que estamos a fazer a outras pessoas e quero que o mundo saiba que somos contra a guerra", declara a manifestante, posicionada junto dos iglos onde pernoitam os familiares dos reféns, numa semana em que um comité de peritos da ONU declarou estar em curso um genocídio na Faixa de Gaza, uma acusação que Telavive rebate com a guerra contra o terrorismo.
Após os massacres de 07 de outubro no sul de Israel, onde além de 251 reféns, as milícias palestinianas fizeram cerva de 1.200 mortos, mais de 64 mil pessoas morreram em quase dois anos na operação de retaliação na Faixa de Gaza, segundo as autoridades do enclave controladas pelo Hamas, a que se soma um desastre humanitário e a situação de fome declarara pelas Nações Unidas na região norte do território.
"Não acreditamos em vingança. Acreditamos na paz. Esta é a principal razão pela qual estou aqui", frisa Michal Adiri Alouch, adicionando a preocupação que sente pelos reféns e também com os soldados israelitas mobilizados para o conflito, que ela vê como seus crianças e filhos, que não têm outra escolha a não ser a prisão e que vão morrer ou matar as suas próprias almas".
A psicóloga avalia que Benjamin Netanyahu mantém uma relação obsessiva com a operação militar no enclave, ainda que ela e muitos outros israelitas pensem que o seu pais não poderá sair "bem sucedido desta guerra", ainda que isso lhe custe a incompreensão da parte da sociedade que apoia os planos militares do Governo e que na rua lhe chamem "amiga dos árabes" ou que a tratem como uma traidora, cujos avós europeus deviam ter morrido no Holocausto.
"Por aqui se vê a loucura a que chegámos e entendo perfeitamente que o mundo esteja contra nós. Penso que o mundo até devia estar ainda mais contra nós", sentencia a manifestante na rua de Netanyahu, que cruza o elegante bairro de Rehavia numa zona nobre de Jerusalém, e que historicamente era parte da ligação do atual enclave palestiniano à Cidade Velha e conhecida como Estrada de Gaza
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