"Falhas acumuladas" descarrilaram Elevador. Relatório culpa Carris
- 20/10/2025
O relatório preliminar sobre o acidente com o Elevador da Glória (que resultou na morte de 16 pessoas) foi esta segunda-feira conhecido - e os resultados indicam que, entre outras conclusões, o cabo que unia as duas cabinas do elevador e que cedeu no seu ponto de fixação da carruagem que descarrilou "não estava certificado para utilização em instalações para o transporte de pessoas", nem respeitava as especificações da Carris.
O relatório pode ser consultado na íntegra aqui, mas, abaixo, trazemos as principais conclusões, começando pelo cabo desapropriado.
Recorde-se que, para além das 16 vítimas mortais, foram ainda registados 20 feridos. As vítimas mortais eram portuguesas e estrangeiras.
Os cabos "multiplamente desconformes"
Segundo o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF), o cabo em causa "não era indicado para ser instalado com destorcedores nas suas extremidades, como é o sistema no ascensor da Glória (e no ascensor do Lavra)".
A investigação detetou falhas no processo de aquisição do cabo pela Carris e nos mecanismos internos de controlo desta empresa responsável pelos ascensores.
"A utilização de cabos multiplamente desconformes com as especificações e restrições de utilização deveu-se a diversas falhas acumuladas no seu processo de aquisição, aceitação e aplicação pela CCFL [Companhia Carris de Ferro de Lisboa], cujos mecanismos organizacionais de controlo interno não foram suficientes ou adequados para prevenir e detetar tais falhas", sustenta o GPIAAF.
Este organismo lembra, contudo, que, anteriormente, cabos iguais estiveram em uso durante 601 dias no ascensor da Glória (e 606 dias no ascensor do Lavra), sem incidentes.
Carris não detetou "engano" (nem o conseguiu explicar)
É ainda detalhado que a Carris, no processo de compra de cabos para o elevador da Glória, enviou para os potenciais fornecedores especificações de cabos referentes ao elevador de Santa Justa, que são diferentes, não conseguindo detetar o erro nem explicar o engano.
O processo de aquisição de um lote de dois cabos começou em 2022, tendo um destes funcionado normalmente durante 600 dias, e o segundo cedido ao fim de 337 dias de utilização.
Segundo o GPIAAF, "por uma razão que a Carris não conseguiu explicar à investigação, e de que não foi possível encontrar evidências documentais na consulta feita aos fornecedores, foi adotada para os dois artigos adicionados, correspondentes aos cabos para os ascensores da Glória e do Lavra, a especificação fornecida" pela Direção de Manutenção do Modo Elétrico (DME) da Carris "para um dos cabos do elevador de Santa Justa, mudando apenas o diâmetro".
Ascensores e elétricos da Carris sem supervisão independente
Na consulta feita pela Lusa, é ainda detalhado que os ascensores, como o da Glória e do Lavra, em Lisboa, assim como os elétricos da Carris, estão fora da supervisão do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), estando apenas debaixo da fiscalização da própria empresa gestora.
No documento hoje divulgado, lê-se que o GPIAAF "constatou que os carros elétricos" da Carris "estão na mesma situação [sem supervisão independente], por não existir um enquadramento legal para a regulação técnica e de segurança dos sistemas de elétricos que circulam em via não reservada".
"Desta forma, as condições de segurança dos elétricos, históricos, modernizados ou modernos, que circulam nos arruamentos públicos em comum com veículos rodoviários, quer na sua entrada ao serviço, quer durante a sua vida", não estão, em Portugal, sujeitas "ao cumprimento de quaisquer regras que não as definidas pela própria empresa, nem, principalmente, a qualquer tipo de supervisão independente", concluiu o GPIAAF.
GPIAAF deteta falhas e falta de supervisão na manutenção
No relatório, o GPIAAF diz também que as inspeções previstas para o dia do acidente "estão registadas como executadas, embora detenha evidências de que não foram feitas no período horário indicado na correspondente folha de registo".
"Durante o período de operação do ascensor por várias vezes um trabalhador do prestador de serviços observou os veículos e falou com os guarda-freios", refere a investigação, dando conta da existência de um plano de manutenção diária, semanal, mensal e semestral.
Segundo os investigadores, "embora as ações de manutenção contratualmente previstas e planeadas estivessem a ser registadas como cumpridas em sistema de registo próprio, ao qual a Carris tem acesso direto, foram recolhidas evidências de que tal registo não corresponde às tarefas que efetivamente foram executadas".
E agora?
A investigação ao acidente do elevador da Glória recomenda ainda à Carris "que não reative os ascensores sem uma reavaliação, por uma entidade especializada em funiculares, das fixações dos cabos e dos travões, em linha com o normativo europeu nesta matéria, respeitando a proteção histórica daqueles transportes, mas sem prejuízo da segurança".
É recomendado ainda ao IMT que, em linha com o expresso no regulamento da União Europeia, proceda "à promoção de um quadro legislativo, regulamentar ou outro apropriado, que garanta que todos os funiculares e demais sistemas de transporte público similares ou assimiláveis estão devidamente enquadrados do ponto de vista técnico e de supervisão".
Carris já reagiu
Após terem sido tornados públicos os resultados deste relatório preliminar, a Carris afirmou desconhecer qualquer incumprimento por parte da empresa que fazia a manutenção do Elevador da Glória, em Lisboa.
No comunicado, a Carris destacou que o conselho de administração da empresa desconhecia "toda a factualidade descrita" no relatório, quando aponta que o atual prestador dos serviços, a MNTC, pode não ter cumprido devidamente o contrato, uma vez que "este incumprimento nunca foi reportado pela Direção de Manutenção do Modo Elétrico, nem pelo Gestor do Contrato, que aliás reiteraram a máxima confiança no desempenho desta empresa, mesmo após o acidente ter ocorrido".
"De momento, estão a ser apuradas as respetivas responsabilidades, sendo que o Diretor de Manutenção do Modo Elétrico foi, entretanto, demitido", acrescentou.
Já quanto ao processo de aquisição do cabo do Elevador da Glória, a que a investigação aponta irregularidades, a Carris indica que esta ocorreu num mandato anterior ao do atual conselho de administração.
A Carris realçou que o relatório considera que "[...] não é possível neste momento afirmar se as desconformidades na utilização do cabo são ou não relevantes para o acidente" e esclareceu que o processo de aquisição dos cabos, "com alegadas inconformidades, que condicionaram todo o processo de substituição dos cabos, ocorreu em mandato anterior ao do presente conselho de administração".
E o que diz Carlos Moedas?
O presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, considerou, em relação, que o acidente foi derivado a causas técnicas e não políticas.
"Ao contrário da politização que alguns fizeram durante a campanha, este relatório reafirma que a infeliz tragédia do elevador da Glória foi derivada de causas técnicas e não políticas", refere Carlos Moedas, numa curta declaração escrita enviada à agência Lusa.
[Notícia atualizada às 21h53]
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