Elevador da Glória: Passa-culpas mas "nenhum português aceita impunidade"
- 21/10/2025
O relatório preliminar sobre o descarrilamento do Elevador da Glória, em Lisboa, que resultou na morte de 16 pessoas e deixou feridas mais de 20, foi divulgado ontem, segunda-feira, 20 de outubro.
Os resultados indicam que, entre outras conclusões, o cabo que unia as duas cabinas do elevador e que cedeu no seu ponto de fixação da carruagem que descarrilou "não estava certificado para utilização em instalações para o transporte de pessoas", nem respeitava as especificações da Carris.
As reações ao relatório foram quase imediatas. A Carris, desde logo, afirmou desconhecer qualquer incumprimento por parte da empresa que fazia a manutenção do ascensor.
Destacou a Carris que o conselho de administração da empresa municipal desconhecia "toda a factualidade descrita" no relatório, quando aponta que o atual prestador dos serviços, a MNTC, pode não ter cumprido devidamente o contrato, uma vez que "este incumprimento nunca foi reportado pela Direção de Manutenção do Modo Elétrico, nem pelo Gestor do Contrato, que aliás reiteraram a máxima confiança no desempenho desta empresa, mesmo após o acidente ter ocorrido".
Na mesma nota, enviada às redações, a Carris garantiu ainda que "estão a ser apuradas as respetivas responsabilidades, sendo que o diretor de Manutenção do Modo Elétrico foi, entretanto, demitido".
"Nunca foi transmitida à administração da empresa, nem foi feita qualquer proposta técnica nesse sentido" relativamente à perceção de técnicos e trabalhadores "de que a segurança do sistema dependia inteiramente do cabo e que o sistema de freio não era eficaz para imobilizar as cabinas sem o cabo", como é apontado no relatório, lê-se na nota.
Carris rejeita "exclusiva responsabilidade". "Regulação deve incumbir ao IMT"
"Aliás, o relatório reitera que não foram comunicadas quaisquer queixas relativas à manutenção dos ascensores e elevador, nem sequer, como já se referiu, sobre o alegado desempenho deficiente do prestador de serviços da manutenção dos ascensores", realçou a Carris, considerando também que, "enquanto mero operador", não aceita "que se encontre na sua exclusiva responsabilidade os aspetos relativos à segurança da operação dos ascensores", como é entendimento no relatório, "por manifesta falta de habilitação legal e contratual para definir a regulação técnica e de segurança aplicável à entrada em serviço e exploração do Ascensor da Glória e para proceder à respetiva (auto)supervisão".
"A regulação técnica e respetiva supervisão do Ascensor da Glória deve incumbir muito claramente à entidade da administração indireta do Estado com vastas e históricas atribuições nesta matéria (atualmente o IMT, IP)", defendeu a Carris, salientando que o IMT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres), "com base na lei vigente e noutras disposições regulamentares", exerce já esta regulação em "vários equipamentos similares integrados no estabelecimento da concessão da Carris (Elevador de Santa Justa e Ascensor da Bica)".
Cabos 'irregulares'? Carris remete compra para administração anterior
Já sobre o processo de aquisição do cabo do Elevador da Glória, a que a investigação aponta irregularidades, a Carris garante que ocorreu num mandato anterior ao do atual conselho de administração.
"Não é possível neste momento afirmar se as desconformidades na utilização do cabo são ou não relevantes para o acidente", disse a empresa, explicando que o processo de aquisição dos cabos, "com alegadas inconformidades, que condicionaram todo o processo de substituição dos cabos, ocorreu em mandato anterior ao do presente conselho de administração".
"Sobre esta matéria, o conselho de administração da Carris desconhece a factualidade exposta" no Resumo das Constatações Relevantes até à data sobre o cabo de tração/equilíbrio (nos pontos 2 a 5), sublinhou a transportadora, indicando que, "uma vez que o relatório refere o incumprimento de normativos em vigor na Carris, serão apuradas as respetivas responsabilidades".
Tragédia no Elevador "foi derivada de causas técnicas e não políticas"
Quem também reagiu aos resultados do relatório foi Carlos Moedas. Para o presidente da Câmara Municipal de Lisboa recentemente reconduzido no cargo o acidente "foi derivado a causas técnicas e não políticas".
"Ao contrário da politização que alguns fizeram durante a campanha [eleitoral], este relatório reafirma que a infeliz tragédia do elevador da Glória foi derivada de causas técnicas e não políticas", referiu o autarca, numa curta declaração escrita enviada à agência Lusa.
"Num acidente desta gravidade não pode haver impunidade"
Entretanto, o candidato a Presidente da República, Luís Marques Mendes fez igualmente alusão ao tema. Em entrevista à CNN Portugal, o social-democrata defendeu que "num acidente desta gravidade não pode haver impunidade" e que não se pode branquear o que aconteceu no dia 3 de setembro, na Calçada da Glória de Lisboa.
"Sendo um relatório preliminar é preciso ter todas as cautelas e esperar pelo relatório definitivo", começou por dizer o candidato presidencial, acrescentando que o que deseja "é que o relatório definitivo seja muito claro. Seja muito claro nas causas que deram realmente origem a este brutal acidente e nas medidas que é preciso tomar preto no branco para evitar novos acidentes".
"Espero sobretudo que agora seja muito rápido. Não há razão para que rapidamente não tenhamos claramente a verdade. A verdade dos factos e as recomendações para o futuro. Neste momento é preliminar, muita cautela. Mas muita exigência quanto ao futuro. A última palavra é esta: num acidente desta gravidade, com o número de mortos que ocorreu, não pode haver impunidade, tem de haver muita clareza, tem de haver causas muito concretas e espero que o relatório final leve em atenção isto", sublinhou Marques Mendes.
Sobre a eventual demissão do presidente da Carris, o candidato a Belém salientou que "é preciso aguardar o relatório definitivo. "Nós em Portugal andamos sempre à espera de arranjar uma forma de rolar uma cabeça", atirou, realçando que "muitas vezes faz sentido".
"Agora devemos também ser prudentes. Já se percebeu que há grandes responsabilidades da Carris mas esperemos agora pelo relatório definitivo. E o relatório definitivo, sendo categórico nas causas e concreto nas recomendações, evidentemente que vai levar a responsabilidades", concretizou, adiantando que a impunidade neste caso "não pode acontecer nem vai acontecer.
"Isto está muito presente ainda na memória de toda a gente. Foi um pesadelo. Foi uma tragédia e haver agora uma solução de impunidade, de branquear o que aconteceu, nenhum português vai aceitar. A comissão que está a ultimar o relatório definitivo deve ter em atenção três coisas: ser rápida; ser muito clara e ser muito concreta nas recomendações para o futuro".
"Há responsabilidade da Carris e de quem a tutela"
Já para Alexandra Leitão as conclusões do relatório preliminar são "de uma gravidade extrema" e deixam claro que "há responsabilidade da Carris e de quem tutela a Carris", ou seja, da Câmara Municipal de Lisboa.
Por isso, perante estes dados, a socialista considerou que "é preciso apurar até ao fim a responsabilidade administrativa, técnica e política" do descarrilamento do ascensor.
"Não há condições para a administração da Carris continuar porque está quebrada uma relação de confiança, antes de mais, com os lisboetas e, se a Câmara Municipal de Lisboa não vê isso está a não apurar responsabilidades", defendeu, em declarações à SIC Notícias na manhã desta terça-feira.
A tragédia do Elevador da Glória, em Lisboa, que ocorreu a 3 de setembro, causou 16 mortos e cerca de duas dezenas de feridos, entre portugueses e estrangeiros de várias nacionalidades.
[Notícia atualizada às 10h57]
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